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Asco, de Horacio Castellanos Moya

Asco
Horácio Castellanos Moya
Tradução: Antônio Xerxenesky
Editora Rocco

Talvez a maioria não tenha percebido, mas Moya já havia sido publicado por aqui. É ele o autor do conto Sozinhos no universo inteiro, na Antologia Pan-Americana. Asco - ou melhor: Asco: Thomas Bernhard em San Salvador - é uma novela de leitura rápida. Na verdade, um exercício literário: o próprio autor estava escrevendo à moda de Bernhard (se é que isso é possível). 

Publicado em 1997, é uma prova de que, ao contrário do que se costuma apregoar, os latino-americanos não têm um humor dos melhores. Não por parte de Horacio Castellanos Moya (1957), claro, mas da sociedade. Após a publicação da novela, o autor passou a sofrer ameaças de morte. Um exercício, uma brincadeira, que foi levada demasiadamente à sério pelos seus compatriotas. Uma pena. Mas talvez - e apenas talvez - isso signifique que o autor tenha sido lido pelos seus compatriotas, o que surpreenderia Vega...

Edgardo Vega, o Bernhard salvadorenho, está de volta ao país. Veio do Canadá, onde vive, para o funeral da mãe, e se encontra com Moya. O texto é um imenso parágrafo de noventa e tantas páginas, um monólogo do qual ninguém escapa: dos irmãos maristas (Vega estudou no colégio por onze anos) à culinária. Afinal, ser salvadorenho, afirma, é um azar inescapável, e a solução foi ir para o Canadá. Sobra também para a cerveja, o irmão (e a cunhada e os sobrinhos que não desgrudam da televisão), dos militares, da universidade...

Esta é uma cultura ágrafa, Moya, uma cultura que rejeita a palavra escrita, uma cultura sem nenhuma vocação para o registro e a memória histórica, sem nenhuma percepção do passado, uma 'cultura de mosca', seu único horizonte é o presente, o imediato, uma cultura com a memória de uma mosca que colide a cada dois segundos contra o mesmo vidro porque dois segundos depois já se esqueceu da existência do vidro, uma cultura miserável.

Muitas das críticas - demolidoras - poderiam ser feitas a outros países, inclusive este aqui... Não é à toa que, em meio às ameaças que recebeu, Moya foi convidado a adaptar a novela a diversos outros países. 



Meu nome é Thomas Bernhard, me disse Vega, um nome que peguei emprestado de um escritor austríaco que admiro e que, com certeza, nem você nem os outros imitadores dessa infame província conhecem.

Só duas pessoas escapam da fúria bernhardista: Moya e Tchaikovsky - Vega adora seu Concerto em Si Bemol menor para piano e orquestra.



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