Pular para o conteúdo principal

Noites brancas, de Dostoievski



Mais novo, sempre lia algum autor russo nos escaldantes meses de verão do Rio. Todos podiam estar se dissolvendo à minha volta, mas havia um certo consolo em ler alguma história passada numa São Petersburgo ou numa Moscou - para não falar de algum ponto esquecido na Sibéria - congelada pelo tal General Inverno. 

No final de semana anterior ao Natal, finalmente leio Noites brancas, um daqueles livros que conhecemos antes mesmo de termos lido. Entre duas excelentes opções disponíveis para o leitor brasileiro, fiquei com a edição da Companhia Penguin, com a tradução de Rubens Figueiredo (um luxo, aliás, termos agora que escolher qual das boas edições da 34 ou da Companhia das Letras).

O problema de traduzir do russo não foi exclusivo do Brasil. Carpeaux já reclamava:

Dostoievski apareceu aos europeus ao lado de Turgeniev e Tolstoi; e nada mais natural do que a confusão entre eles: as traduções medíocres e pouco exatas não permitiram descobrir a imensa diferença dos estilos. Também se ignoravam as diferenças da condição social: Turgeniev e Tolstoi eram grandes senhores rurais; Dostoievski, um intelectual pequeno-burguês, homem da cidade.

O Sonhador caminha pelas ruas de São Petersburgo, sozinho, sem amigos ou conhecidos, mas que é capaz de "conversar" com a própria cidade - como se a arquitetura tomasse vida e expressasse sua opinião a respeito das últimas novidades... O sol mal se põe no verão russo. Na primeira noite, contudo, encontra uma jovem, desesperada e em prantos. Aproxima-se dela como nunca havia feito com ninguém; irá consolá-la. Ao longo das próximas noites, a aproximação improvável cresce, até o final abrupto da história.

Nos tempos de boas locadoras, hoje tão longínquos, consegui assistir à versão de Luchino Visconti (Le Notti Bianche, 1957), com Marcello Mastroianni e Maria Schell. Visconti troca São Petersburgo por Livorno. Aqui, o trailer:


Fique com os dois. Poucos grandes autores foram tão - e tão bem - levados ao cinema quanto Dostoievski.

Comentários

  1. Não esquecendo da magistral trilha sonora de Nino Rota. O filme é um dos poucos que reconstitui de maneira mais q satisfatória o livro em que é baseado

    ResponderExcluir
  2. No Brasil exibido como "Um rosto na noite". Uma outra versão cinematográfica é de 2014 por Paul Vechiali

    ResponderExcluir
  3. Vi nos idos dos anos 70, de Robert Bresson, "4 noites de um sonhador" tb baseado nos noites brancas. Excelente, embora fique diminuído se comparado ao do Visconti. Talvez ainda se ache no you tube. Vale a pena

    ResponderExcluir
  4. O filme do Visconti, legendado em espanhol, esta em:
    https://www.youtube.com/watch?v=kuJJbpLb5Us

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

Conto da semana - Saki

O conto da semana é   A Porta Aberta , de Saki, ou melhor, Hector Hugh Munro (1870-1916). Saki nasceu na Índia; o pai era major britânico e inspetor da polícia de Burma. O autor morreu no front francês durante a I Guerra. Já havia falado dele num post sobre a coleção Mar de Histórias , de Ronai e Aurélio, bem como um curta nacional. Ele está no volume 9. Mas apenas mencionei este conto, de cerca de cinco páginas. O vídeo acima é uma produção britânica de 2004 com Michael Sheen (o Tony Blair do filme "A Rainha") como Framton Nuttel, e Charlotte Ritchie como Vera, a menina de cerca de quinze anos que "faz sala" enquanto sua tia não chega. E começa a contar ao visitante sobre a terrível "tragédia" que se abateu sobre a tia, a Sra. Sappleton. O conto é um dos mais famosos de Saki, conhecido por tratar do lado cruel das crianças.