Começar um livro é desagradável. Fico completamente indeciso quanto ao personagem e sua situação, e é com um personagem em determinada situação que tenho de começar. Pior do que não conhecer o assunto é não saber como tratá-lo, porque, definitivamente, isso é tudo. Datilografo inícios que ficam horríveis, parecem mais uma paródia inconsciente de meu livro anterior do que a ruptura que pretendo conseguir. Preciso de alguma coisa que impulsione o núcleo do livro, um ímã que atraia tudo para ele – é isso que procuro durante os primeiros meses em que estou escrevendo algo novo. Com freqüência tenho de escrever cem páginas ou mais, antes de conseguir um parágrafo cheio de vida. Muito bem, digo a mim mesmo esse é o começo, parta daí: eis o primeiro parágrafo do livro. Examino detalhadamente os que escrevi nos primeiros seis meses de trabalho e sublinho em vermelho um parágrafo, uma sentença – às vezes não mais que uma frase – que contenha alguma vida e então junto tudo isso em uma página. Geralmente não chega a mais que uma página, mas, se tenho sorte, esse é o início da primeira página. Procuro a agilidade para estabelecer o estilo. Depois do começo terrível, vêm os meses de novo divertimento, e depois do divertimento vêm as crises, quando me volto contra todo o material e passo a odiar o livro... Quando se começa, procurasse o que vai se opor à gente. Procura-se encrenca. Às vezes, no começo, surge a incerteza, não porque esteja difícil escrever, mas sim porque não está difícil o bastante. A fluência pode ser um sinal de que nada está acontecendo; de fato, a fluência pode ser um sinal para eu parar, enquanto andar às cegas de frase em frase pode me convencer a continuar
Os escritores 2: As históricas entrevistas da Paris Review. São Paulo: Cia. das Letras, 1989
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