Pular para o conteúdo principal

Fractura, de Andrés Neuman

Fractura: Neuman, Andrés: 9786073166577: Amazon.com: Books


Un terremoto fractura el presente, quiebra la perspectiva, remueve las placas de la memoria.

Andrés Neuman (1977), argentino que vive na Espanha, já esteve aqui com O viajante do século. Agora, volta ao longo romance com Fractura

O senhor Watanabe é, digamos, uma vítima da História: criança, estava com seu pai em Hiroshima quando caiu a primeira bomba atômica. Seu pai morreu na hora; ele sobreviveu. Tenta voltar para casa mas perde o ônibus. Sorte sua - não está em Nagasaki quando caiu a segunda bomba atômica, que pulverizou sua família. Agora, 66 anos depois, o velho Watanabe, depois de ter conhecido o mundo, está de volta ao Japão quando, numa espécie de hat trick macabro, acontece o acidente de Fukushima (depois de um terremoto e um tsunami).

A vida de Yoshie Watanabe é contada por quatro mulheres a um jornalista, Jorge Pinedo. Da primeira, que o conheceu na Paris dos anos 60 até a última, vemos uma história de uma pessoa comum - se é que um sobrevivente nuclear pode ser considerado uma pessoa comum - que teve um bom emprego e viveu em Paris, NY, Buenos Aires, Madrid e Tóquio. Ao longo das décadas, a guerra do Vietnã, Watergate, a ditadura argentina, Three Mile Island e Chernobyl.

Cada um desses países tem alguma conta a acertar: colaboracionismo durante a Segunda Guerra, a bomba atômica, a guerra suja dos anos 80 e as Malvinas, as discussões sobre o que fazer com os restos de Franco...  

O terremoto de 2011 movimenta as placas tectônicas, e dessa fratura, sua memória vem à tona. Sempre ela... Yoshie é um sobrevivente da própria memória. No Japão, pessoas como eles são chamadas kintsugi. E Yoshie se dá conta de que em breve não haverá ninguém vivo que tenha efetivamente sobrevivido a Hiroshima - tal como o Holocausto - e teme que os personagens de um evento histórico se tornem lendas. O desaparecimento das testemunhas incomoda Yoshie e Neuman.

Yoshie nunca se considera uma vítima, e em momento algum cai em autocomiseração, ainda que, obviamente, sempre tenha se incomodado com grandes celebrações de 1945, o que se torna um grande problema quando se vive no país vencedor. Entre os capítulos narrados pelas mulheres, aquele em que Mariela conta sua vida em Buenos Aires parece ser o mais interessante. 

O papel do jornalista Jorge Pinedo vem despertando alguma crítica - sim, ele está escrevendo diversos artigos sobre desastres nucleares e, insatisfeito, quer prestígio entre os seus pares e quem sabe se tornar um escritor de ficção. No final, é ele quem entrevista as mulheres e, assim, monta o quebra-cabeças chamado Watanabe.

Fractura ainda não chegou ao Brasil. Aqui, a editora Objetiva (Alfaguarra) já publicou O viajante do século e Falar sozinho.





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei...

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa...

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n...