Pular para o conteúdo principal

Lincoln in the Bardo, de George Saunders




Resultado de imagem para lincoln in the bardo

O último livro que li em 2017 foi o vencedor do Man Booker Prize do ano. Lincoln in the Bardo, de George Saunders, será lançado no início de 2018 pela Companhia das Letras, e recebeu críticas entusiasmadas na imprensa americana.

Talvez por ter lido no Kindle, demorei algumas páginas para entrar no espírito da obra, estranhando um pouco a formatação. Mas valeu a pena.

Uma obra estranha, sem dúvida, de um experimentalismo pouco usual. Em determinados momentos, uma colagem (que faz sentido) com notas de diários, livros e periódicos do período; em outros, monólogos e diálogos entre fantasmas.

Logo na abertura, um monólogo de um certo Hans Vollman, que conta que tinha 46 anos no dia de seu casamento com uma jovem de 18 e que, ciente de todas as circunstâncias, não forçou sua noiva a nada, apenas propondo-lhe sua amizade. Com o passar do tempo, essa amizade se tornou em verdadeiro amor e, quando Hans e a esposa finalmente iriam "expandir as fronteiras de sua felicidade", uma viga cai sobre sua cabeça. É o que conta ao amigo Roger Bevins III.

Somos apresentados a uma série de fantasmas. Bardo é um termo tibetano que significa um estado "intermediário", em que as almas vagam pelo cemitério, contando suas histórias, até aceitarem sua partida para o inferno ou o paraíso. Uma espécie de limbo.

O espírito do pequeno Willie, no entanto, não quer sair. Está à espera da visita do pai. Willie Lincoln era o filho mais novo do presidente Abraham Lincoln e morreu de tifo. O menino ardia de febre enquanto o pai participava de um jantar de Estado e a Guerra Civil despedaçava o país. Descobrimos que o presidente era considerado um pai leniente demais, que seus filhos podiam fazer tudo. A culpa irá perseguir o pai, que permitiu que o filho passeasse montado no pônei que acabara de ganhar de presente. Chovia muito no dia e o menino adoeceu - para nunca mais se recuperar.

Saunders ficou impressionado ao descobrir que o pai foi à cripta para estar com Willie diversas vezes, a ponto de se inspirar nessa história para escrever o livro.

A imprensa foi bastante cruel com Abraham Lincoln, chamando-o de insensível, de ignorar a doença de Willie, de preferir os comensais ao leito do filho. Os fantasmas, contudo, percebem que pai e filho são pessoas especiais. Precisam ajudar o espírito de Willie a deixar o Bardo. O que fazem para isso é o ponto alto da narrativa. A descrição de Lincoln diante da morte do filho é forte, emocionante e bem escrita como poucas (pouquíssimas). 

Da minha lista de 2017, certamente o melhor romance do ano.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

Conto da semana - Saki

O conto da semana é   A Porta Aberta , de Saki, ou melhor, Hector Hugh Munro (1870-1916). Saki nasceu na Índia; o pai era major britânico e inspetor da polícia de Burma. O autor morreu no front francês durante a I Guerra. Já havia falado dele num post sobre a coleção Mar de Histórias , de Ronai e Aurélio, bem como um curta nacional. Ele está no volume 9. Mas apenas mencionei este conto, de cerca de cinco páginas. O vídeo acima é uma produção britânica de 2004 com Michael Sheen (o Tony Blair do filme "A Rainha") como Framton Nuttel, e Charlotte Ritchie como Vera, a menina de cerca de quinze anos que "faz sala" enquanto sua tia não chega. E começa a contar ao visitante sobre a terrível "tragédia" que se abateu sobre a tia, a Sra. Sappleton. O conto é um dos mais famosos de Saki, conhecido por tratar do lado cruel das crianças.