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Mostrando postagens de junho, 2016

The noise of time, de Julian Barnes

Ser um heroi é muito mais fácil que ser um covarde. Para ser um heroi, basta um momento de bravura... Mas ser um covarde exige uma carreira que dura uma vida antecipando a próxima ocasião de desculpas, de adulação servil, de tremor ... A "carreira" da covardia de Shostakovich começa em 1936, quando seu Lady Macbeth do distrito de Mtsensk , a partir do conto de Leskov . O Pravda fez severas críticas, o que significa dizer, claro, que Stalin detestou a composição. Além disso, disse que a música não era soviética, mas voltada para "atender aos gostos depravados dos ouvidos burgueses" - aquela mania de tentar recriar o mundo, tão cara aos comunistas. Isso era o suficiente para acabar com a carreira de um artista, metafórica e literalmente. Era o auge do Grande Terror, e Dmitri estava pronto a receber em sua casa a temida visita dos agentes da NKVD (que depois se tornaria a KGB), que o levariam, de pijama,  para um lugar de onde provavel

Dom Quixote - IV

Lá pela metade do Primeiro Livro do Quixote há uma mudança de foco na narrativa - Quixote e Sancho encontram um sujeito que ficou louco por amor e abandonou tudo para se embrenhar na Sierra Morena, vivendo como um ermitão. Cardenio começa a contar sua história.   Quixote e Sancho encontram Cardênio É curioso como Cervantes faz com que seu personagem abilolado se encontre com um sujeito abilolado - e Quixote trata Cardenio como si de luengos tiempos le hubiera conocido . Afinal, as pessoas na "Espanha de hoje" (1605...) são vítimas da sociedade e suas regras - a importância que se dá aos títulos e à riqueza, a dificuldade de mudança de classe social etc. Quixote percebe e até estimula a insanidade de Cardenio, fingindo-se igualmente louco - como se o Cavaleiro da Triste Figura já não o fosse o suficiente. Shakespeare teria escrito uma peça sobre esse mesmo tema - e os especialistas se digladiam para imaginar se, afinal, Shakespeare e Cervantes, de alguma forma, se c

Borges, anarquista conservador

É como o próprio Borges se definiu, numa curiosa entrevista a um garoto que precisava fazer um trabalho escolar. A entrevista saiu na edição brasileira do El País. Um trecho: Como o senhor imagina o futuro da Argentina? Quero pensar que já terei morrido, mas acredito que vamos ladeira abaixo. Eu já não tenho esperança. Vocês são jovens, talvez tenham esperanças. Eu já não tenho nenhuma. Muitas declarações suas geram polêmica, e há quem acredite que o senhor procura justamente esse efeito... Claro que não! Quem pensa isso não me conhece em nada. Para terminar, o senhor gostaria de nos deixar algum conselho ou mensagem? Eu não soube administrar minha vida, então não posso dirigir a vida dos outros. Minha vida foi uma série de equívocos. Não posso dar conselhos. Ando um pouco à deriva. Quando penso no meu passado, sinto vergonha. Eu não transmito mensagens, os políticos transmitem mensagens.

A alfândega austríaca, de Jaroslav Hasek

Minha tradução de um conto de Jaroslav Hasek, a partir de The Bachura Scandal and other stories and sketches, na tradução para o inglês de Alan Menhennet.      Estava em Dresden e, um dia, perambulando pelos arredores da cidade, fui atropelado por um trem expresso. Fiquei tão retalhado que foi necessário um ano e meio para me juntarem novamente. Eu planejava retornar a Praga em quatro dias, mas fiquei em Dresden por mais de dezoito meses.     Estamos todos nas mãos de Deus, é claro, mas eu também estive nas mãos dos médicos.     Eu era uma figura medonha. Até hoje, não sei o quanto de mim é realmente meu. Tudo o que sei é que eu fui artificialmente reconstruído por dezoito médicos e cinquenta e dois assistentes. E que eles fizeram um excelente trabalho. Recebi um atestado detalhando minhas partes reconstituídas, de modo que eu me qualificaria para apoio como inválido, e esse atestado tinha quatorze páginas.      Os únicos pedaços que permaneceram comigo