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O Mar, de John Banville



Eles partiram, os deuses, no dia da maré estranha. A manhã inteira sob um céu leitoso as águas da baía tinham subido mais e mais, atingindo alturas inauditas, pequenas ondas rastejando sobre a areia crestada que havia anos só era umedecida pela chuva e chegando a lamber as bases das dunas. O casco enferrujado do cargueiro encalhado na entrada da baía em algum momento fora do acance da memória de qualquer um de nós deve ter achado que lhe concediam a oportunidade de um relançamento. Eu nunca mais tornaria a nadar, depois desse dia. As aves marinhas vagiam e mergulhavam, em nada afetadas, ao que parece, pelo espetáculo daquela vasta bacia de água que inchava como uma bolha, de um azul de chumbo e com um fulgor maléfico. Pareciam anormalmente brancas, naquele dia, essas aves. As ondas depositavam na areia uma franja de espuma impura e amarela. Vela alguma desfigurava o horizonte alto. Não voltei a nadar, não, nunca mais.

Com considerável atraso, li na última semana O Mar, na edição da Biblioteca Azul (tradução de Sergio Flaksman).

Banville costuma recorrer aos gregos. Foi assim com Os Infinitos. 

As Graças, na mitologia grega, são as deusas da prosperidade. Max Morden vem de uma família humilde, e sempre se ressentiu de suas origens. Não por outra razão, percebe a chegada ao The Cedars da família Grace.  O hoje crítico de arte acaba de perder sua esposa, Anna, para o câncer e retorna, com sua filha Claire, à pequena cidade onde passava os verões na infância (como o autor passava em Rosslare, na Irlanda).

Banville trabalha a memória em três tempos - na infância, no passado recente (com as recordações dos últimos momentos de Anna) e no presente, quando Max retorna à casa onde os Grace passavam as férias (e encontra a Srta. Vavasour e o coronel Blunden). Max precisa do isolamento para se acertar com seus fantasmas. Mas logo percebe que a sua memória também não é confiável.

Carlo Grace, sua esposa Connie e os gêmeos Chloe e Myles. Os Grace são seus deuses; Max os adora e a eles dedica seus esforços, muito mais que à sua mãe, que acaba abandonada pelo pai. Há um momento em que Max está sentado aos pés de Connie e a adora como uma entidade pagã. E, logo após o ápice dessa adoração, toda a sua atenção se volta a Chloe. Rose, que está sempre com as crianças (que adoram perturbá-la), logo percebe isso. Essa descoberta tem suas consequências e, como na mitologia, é a causa de uma tragédia - e, com ela, o fim das ilusões e do mundo encantado da infância de Max. 

As últimas páginas unem Anna, Chloe e Myles e Rose... e abrem o provável futuro de Max. 

Este livro é considerado por boa parte da crítica o melhor trabalho do irlandês John Banville, e lhe rendeu o Booker Prize de 2005. 



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