Istanbul: City of Majesty at the Crossroads of the World não foi publicado no Brasil. Talvez a única referência que os brasileiros tenham do livro do medievalista e renascentista Thomas Madden seja sua aparição na estante do Guga Chacra nas transmissões em tempos de Covid. Mas temos a versão Kindle. Nestes dias em que a milenar Hagia Sofia volta a ser uma mesquita (o foi por quatro séculos até 1934), a cidade voltou, ainda que por apenas uma semana, ao noticiário no Brasil. Uma boa oportunidade para conhecer um pouco da história de uma cidade que foi capital de diversos impérios e encantou Napoleão.
Thomas Madden, professor na Universidade de Saint Louis, começa sua história por volta do ano 667 a.C, quando, segundo a lenda, colonos megaros, liderados pelo rei Byzas, encontraram um grande estuário natural, que passaram a chamar de Corno de Ouro (Golden Horn). Uma península entre a Europa e a Ásia, cujas colinas eram uma defesa natural e permitiram o controle do Bósforo - e a passagem para o Mar Negro. Ideal para uma cidade de comerciantes.
Pela própria formação do autor, o livro é particularmente interessante para aqueles que se dedicam ao período bizantino.
Em alguns capítulos, em especial, a partir do 10º, a narrativa adquire um ritmo que humilha um roteirista de séries da Netflix: reis que arrancam os olhos de inimigos (eventualmente, esse inimigo pode ser o filho), reis pendurados pelos pés e perfurados por espadas, cada qual disputando o golpe mais profundo etc. Vejam o que aconteceu com Andronicus, em setembro de 1185...
Madden é autor de outro livro, Veneza. A relação entre as duas cidades fica clara. Veneza, fundada no século V pelos romanos que fugiam de Átila, inicialmente, e dos lombardos em seguida, se enxergava como a Roma que não caiu, e se tornou leal ao imperador em Constantinopla. Em troca, garantiu nacos da cidade para os venezianos - a região de Galata. Ao longo dos séculos, venezianos e genoveses disputarão não apenas a hegemonia na Itália, como também no espaço urbano de Constantinopla.
O capítulo otomano é relativamente curto, com cerca de noventa páginas, mas igualmente interessante: mostra as peculiaridades do processo de sucessão dos sultões, e como, a partir de um determinado momento, os herdeiros passaram a viver enclausurados em Topkapi - o que, em última análise, passou a gerar líderes fracos. O último sultão, por exemplo, passara a maior parte da vida no ambiente palaciano, com pouco contato com o mundo real. Por outro lado, o declínio da cidade como um grande centro comercial fica evidente, quando o império otomano é bloqueado às portas de Viena, no mesmo momento em que Portugal e Espanha passam a dominar novas rotas comerciais para a Índia.
Outra coisa interessante é ver que muitos, ao menos aqui, acham que o nome Istanbul veio com a tomada da cidade pelos otomanos. Não foi, claro. No início do século XX, Constantinopla ainda era o nome oficial, usado pelos correios. Essa mudança é fruto da República.
No período de Atatürk, a repatriação forçada de gregos e turcos, a ocupação britânica da cidade e a mudança da capital para Ancara - com as traumáticas mudanças na vida dos turcos (do alfabeto à obrigatoriedade de adoção de sobrenomes). E a transformação de Istanbul em uma megalópole de cerca de 15 milhões de habitantes.
Madden escreveu outro livro, Veneza. Fica para outra ocasião. Esta história de Istanbul me ajudou bastante no projeto que espero poder anunciar ainda este ano da Peste.
A inveja da exposição da capa do livro quando das aparições de Guga Chacra na tv foi mitigada com esse resumo resumidissimo. Mas nas poucas linhas aprendemos muito: que Istambul nao foi o nome dado a cidade quando da conquista pelos otomanos e a grande mudança em velocidade inédita que Ataturk promoveu no ex-imperio.
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