Pular para o conteúdo principal

Soldados de Salamina, de Javier Cercas

Soldados de Salamina (Spanish Edition) por [Javier Cercas]

Publicado em 2001, Soldados de Salamina é, para muitos, o melhor livro de Javier Cercas (1962), e um dos melhores romances deste século. Do autor, já li A Velocidade da Luz. Na lista, o ensaio Anatomia de um Instante, sobre o golpe de 1981 que acabou consolidando a democracia espanhola e elevando para a História a figura de Adolfo Suárez.

Este Soldados não é exatamente um romance. Muito bem escrito e com um ritmo jornalístico - além da clara abertura para a ficção - conta a história do fundador da Falange Espanhola, Rafael Sanchez Mazas, que durante a Guerra Civil é capturado pelos republicanos. Poeta e futuro ministro de Franco, escapa milgarosamente de um fuzilamento coletivo e se esconde na fronteira entre a Catalunha e a França. Procura resistir até a chegada das forças franquistas, que estão a alguns dias da vitória definitiva (?). 

Javier Cercas é personagem do livro, um escritor ainda em afirmação e cheio de dúvidas que investiga este acontecimento. Descobre que Sánchez Mazas foi salvo por um soldado que, apontando-lhe o fuzil, deixa-o escapar. 

Surge então um personagem fascinante - Miralles, agora recolhido numa casa de idosos. O antigo soldado republicano conheceu ninguém menos que Bolaño. Sim, o escritor chileno aparece como outro personagem de Cercas. 

O que é fato? O que é ficção? O próprio Cercas (agora, o autor), afirma: “É realidade na medida em que o romance foi escrito a partir de relatos de pessoas reais. Mas seria tudo verdade o que elas contam? Quanto de fantasia não há nesses relatos?”, nesta entrevista para a revista Rascunho

Pamuk diz que devemos fugir dos leitores que lêem tudo como um relato autobiográfico do autor (absolutamente ingênuos) e também daqueles que têm certeza de que nada daquilo é verdadeiro, que tudo é fruto de meticulosa construção - os absolutamente sentimentais. Em O romancista ingênuo e o sentimental, ele nos avisa: esses dois extremos estão imunes ao prazer e à alegria que o romance proporciona. 

O livro foi adaptado ao cinema por David Trueba - ainda não consegui achá-lo nos streamings da vida. Provavelmente nunca o encontrarei.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei...

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa...

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n...