A ideia era retomar o blog em
outro formato e com outros objetivos, a partir de eventos que, neste momento,
em meio à crise mundial do Coronavírus, foram postergados, sem previsão de
data. Vamos, então, para um modelo 2.0, esperando que, no futuro próximo, o
projeto consiga seguir adiante.
No dia 17 de março iniciei meu
isolamento, na indecente esperança de conseguir colocar a leitura em dia.
Idealizei, num primeiro momento, ler uma giornata por dia do Decameron.
Mas, ao contrário dos dez jovens que passaram dez dias nos arredores de
Florença, num palácio vazio, arrumado e com uma boa adega contando histórias
uns para os outros durante a Peste Negra, acabei tragado pelo home office,
descobrindo o quanto custa manter um apartamento minimamente habitável. Mas se
não deu para traçar o livro em dez dias, deu para fazê-lo em pouco mais de
quinze.
Meu primeiro contato com
Boccaccio foi aos quinze anos, através da antologia Mar de Histórias,
organizada pelo Paulo Rónai e pelo Aurélio Buarque de Holanda. No primeiro dos
dez volumes, o judeu Melquisedeque evita, com uma narrativa de
três anéis, um enorme perigo que lhe fora preparado por Saladino. Naquele momento, imaginei a obra como “apenas” uma coletânea de contos,
tal como a própria coleção que estava lendo.
A escolha de Rónai e
Aurelio foi, digamos, bem-comportada. Basta ler algumas das narrativas
para entender a razão pela qual a Igreja a condenou à época, procedimento que
seria revivido séculos depois, na China de Mao, na Espanha franquista e mesmo
em cidades do sul dos Estados Unidos: - brigas, intrigas, conquistas, quase
todas em busca de sexo. São amantes enganando pais; frades se aproveitando de
moças inocentes, traições conjugais com finais felizes ou não - se Boccaccio
acrescentou “Divina” à Comédia de Dante, sua obra maior pode bem ser lida como
uma “Comédia Humana”, como disse Francesco De Sanctis – quinhentos anos antes
de Balzac.
Os dez jovens já tinham
visto a morte e sofrido o suficiente. Como Sherazade, contavam histórias na
esperança de chegar ao dia seguinte. Boccaccio sabe que as histórias, em si,
não curam, mas têm impacto na nossa saúde mental.
Decameron foi posto no rol das obras que hoje (quase) ninguém lê, constatação que
muitos fazem também na Itália – clássicos são aqueles livros lidos, ou melhor,
“vistos”, na escola, para nunca mais na vida adulta - ainda que, em se tratando deste livro, eu duvide que se leia histórias como a de Zeppa e Spinelloccio nas escolas...
Uma pena – poucas obras são tão divertidas quanto as cem histórias contadas pelos personagens criados por Boccaccio.
Uma pena – poucas obras são tão divertidas quanto as cem histórias contadas pelos personagens criados por Boccaccio.
Mas nada como uma nova
pandemia para recuperar os clássicos. Logo no dia 18 de março, antes, ainda, do
fechamento total a Itália, saiu uma notícia de que um grupo de jovens em
Bevagna pretendia realizar o que chamavam de “Decameron 2.0” – a leitura, em
dez dias, dos cem contos de Boccaccio. E faz todo sentido. Em meio à peste, os dez jovens contavam histórias que não tinham absolutamente nenhuma relação com toda aquela desgraça. É o que precisamos aqui, é o que precisam os italianos hoje. Já basta o noticiário.
Minha edição é essa da LPM, de 2013, na tradução de Ivone Benedetti. Meu italiano ainda não dá para ler de cabo a rabo uma obra dessas, mas me aventuro em alguns contos.
Uma ótima noticia em meio a pandemia... o retorno da biblioteca. Assunto não faltará.
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