Pular para o conteúdo principal

Bob Dylan

Estava em Roma na semana passada quando foi anunciado o nome de Bob Dylan para o Nobel de Literatura de 2016, pela Academia Sueca. Não é correto dizer que foi uma grande surpresa pois, afinal, seu nome já apareceu como favorito na lista da Ladbrokes há alguns anos. Desta vez, no entanto, não aparecia entre os 10 mais apostados (ainda que, na madrugada de 12 para 13 de outubro, seu nome tenha despontado para quarto lugar - deve haver algum vazamento nesse negócio).


Resultado de imagem para bob dylan

Martin Amis, Michael Cunningham e Salman Rushdie foram os primeiros - que eu saiba - a elogiar a decisão. Dylan é um grande músico e, como tal, um grande poeta, dizem. Em Tangled Up in Blue, por exemplo:

Then she opened up a book of poems  
And handed it to me
  Written by an Italian poet
From the thirteenth century

Will Self, por outro lado, disse que Dylan terá a grande chance de imitar Sartre e, felizmente, recusar o prêmio...

O que dizer? Todos os leitores do mundo parecem ter o poder-dever de dar sua opinião sobre o Nobel, de forma que aqui vai a minha.

Primeiro, o desapontamento. Não propriamente por Dylan, mas pelo fato de o prêmio ter sido conferido para um norte-americano. Na geopolítica da Academia, isso significa que provavelmente os EUA não serão agraciados novamente dentro de dez ou quinze anos. Roth tem 83 anos e, seguindo esse roteiro, suas chances de receber o prêmio são bastante reduzidas. O problema não é dele - é da Academia, que perde a chance de dar-se credibilidade. Azar o dela. Roth também não será o único entre os grandes a ficar de fora - Joyce, Calvino, Woolf, Proust, Borges: a lista é imensa.

Segundo, uma tentação milenarista: estamos caminhando para o fim de uma civilização livreira. Por mais que se leia bastante, lê-se cada vez menos literatura. O fenômeno não é brasileiro (por aqui nunca se leu muito mesmo), mas universal. Nos EUA, na Espanha, França e Itália é fácil encontrar análises que mostram que, a cada ano, as pessoas lêem menos, as vendas diminuem, e os clássicos vão sendo deixados de lado. Nas universidades americanas, os cursos relacionados às Artes são frequentados, cada vez mais, por asiáticos, e menos pelos wasps.  O que leva uma civilização a seu término, nas palavras do Kenneth Clark - Civilization - é a exaustão. Ela simplesmente se cansa de defender seus valores fundamentais.

Tendo a embarcar nessa onda pessimista, mas temo estar  tomado por um daqueles pânicos milenaristas - o mundo está acabando, como se diz, pelo menos, desde o ano 1000.

Mas há, de fato, algo de errado. Não por Dylan (de quem, aliás, não sou fã). Mas pelo fato de, novamente, não se premiar um romancista, um poeta ou mesmo um dramaturgo. Se é certo que grandes obras literárias estarem presentes em textos jornalísticos (a bielorussa Svetlana Aleksievitch, vencedora em 2015), sou conservador o suficiente para defender a teoria do "cada macaco no seu galho" com relação à música ou à canção. 

Sim, é possível defender que, no início, de Homero até os trovadores medievais, essa distinção nunca foi muito evidente. Isso é verdade. Mas, pessoalmente, continuo incomodado com a escolha deste ano.
Um dos melhores livros que li este ano foi O negociante de inícios de romance, do romeno Matéi Visniec. Lembro-me da carta de despedida de um professor de romeno aposentado, fervoroso amante dos livros que, aos 67 anos, não suportou a Academia Sueca. Uma onda de suicídios literários cometidos na Romênia no fim do segundo decênio do século XXI. A razão? O fato de a Academia jamais ter escolhido um escritor de língua romena. Imagino que essa epidemia ficcional seria agravada em 2016.

Estava em Roma no dia 13. Curiosamente, nesse mesmo dia faleceu o Nobel de 1997, também à época uma opção da Academia bastante criticada - o italiano Dario Fo. Não deixa de ser irônico.

Como também não deixa de ser irônico o fato de, ao menos até este momento, manhã do dia 18 de outubro, Dylan ainda não ter dado as caras - ele sabe da premiação? O que ele está fazendo? Ele irá a Estocolmo?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei...

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa...

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n...