Pular para o conteúdo principal

Bellow e Roth

Às vésperas do anúncio do Nobel de Literatura de 2016, um excelente texto de Isabel Lucas, no caderno Ipsilon, que pode ser lido aqui.

Um trecho: 

Philip Roth e Saul Bellow conheceram-se em Chicago em 1956. Roth era estudante na Universidade de Chicago, e Bellow "um dos seus entusiasmos literários", como o definiu em Os Factos. Foi em Chicago que leu Augie March e viu um exemplo do génio de Bellow, para ele “o grande libertador do tradicional confinamento da literatura judaica”, lê-se em
Roth Unbound. Entre outras coisas, foi também evidente que “a experiência judaica podia ser parte da literatura americana”. Zachary Leader, autor da biografia The Life of Saul Bellow, cuja primeira parte foi publicada em 2015 (sem tradução em Portugal), referiu agora ao PÚBLICO que para Bellow era claro que como escritor “estava em melhor posição enquanto judeu na América do que um judeu na Europa”. Porquê esta afirmação? “Apesar dos alertas e das suspeitas em relação aos judeus na América, a sua identidade americana era aceite, coisa que ele não acreditava ser possível nos países europeus. E insistia em dizer-se americano tanto quanto era judeu. Não era, no entanto, um judeu praticante, apesar de ter crescido numa família de judeus ortodoxos, mas acreditava ser crucial para os judeus transportarem a sua história e os seus valores que via como capazes de contrariar o niilismo predominante na Ocidente.” Leader justifica também assim a fixação de Bellow com a questão da identidade, o “tema-chave” de toda a sua literatura, e que Roth também sempre privilegiou. Para o biógrafo, a faceta judaica de Bellow “teve um papel determinante no modo como defendeu o Estado de Israel — um defensor da paz imediata — que via como a única forma de os judeus acabarem com o que ele chamava de ‘curso do Holocausto, o suplantar da vitimização’.”

Philip Roth estava entre os judeus americanos que pensavam desse modo, mas o percurso de um e de outro na História da afirmação judaica na América foi diferente. Roth pertencia à terceira geração de imigrantes na América. Bellow nasceu no Canadá, filho de imigrantes russos, e chegou a Chicago aos nove anos. A família instalou-se no West Side, junto ao Humboldt Park, uma zona tradicionalmente habitada pela classe média baixa — agora com maior procura pelos estratos mais elevados — e de grande diversidade étnica desde a fundação de Chicago. Judeus vindos da Europa, polacos, alemães, italianos e mais recentemente sul-americanos do México e de Porto Rico, e uma vasta comunidade afro-americana. É esse o núcleo social e geográfico da literatura de Bellow e o coração de Augie March.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei...

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa...

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n...