Pular para o conteúdo principal

Getúlio (2014)






Consegui assistir ao filme dirigido por João Jardim e estrelado por Tony Ramos (Getúlio), Drica Moraes (Alzira), Alexandre Borges (Lacerda), entre outros. Em 1994, assisti à peça no próprio Palácio do Catete e, na mesma época, a minissérie global (e muito boa, tal como o romance de Rubens Fonseca) Agosto. As comparações são inevitáveis, ainda que os enfoques de cada um sejam diversos. O do filme é bem particular: os eventos a partir do atentado da Toneleros sob a ótica do Palácio.

Os últimos dias de Vagas, sob o ponto de vista do próprio e de seu núcleo, a esta altura encastelado no Catete. A reconstituição do Rio - desde Copacabana (morava muito perto do prédio da Toneleros) ao clima de tensão que dominava a cidade - é um dos pontos fortes.

Em determinado momento, Vargas lembra ser especialista em constituições - "eu mesmo já rasguei duas", ironizando seu papel de ditador (aliás, é curioso como praticamente tratamos os presidentes de 1930-1945 e 1954 como duas pessoas diferentes, mas isso é outra história). No filme, Vagas foi um ditador, mas também mais do que isso. Ele resiste às sugestões de um novo golpe para tomar conta da situação, momentos antes do suicídio.

Outro ponto interessante é a ideia de que Alzira chegou a ler a carta de despedida - naquele momento, "para um discurso", dizia o pai. A carta aparece em vários momentos como um documento que deveria estar à mão. Mas me lembro do início dos diários (em dois volumes, publicados pela Siciliano em parceria com a FGV), em que Vagas da a entender, em 1930, que se algo saísse muito errado, um tiro seria a solução. No fatídico dia 24, lembra o personagem, a morte de Getulinho fazia aniversário - ele não se perdoava de não estar no Rio naquele momento. Darcy Vargas também não o perdoou.

O Getúlio do filme é um presidente velho e fisicamente acabado, politicamente isolado, traído dentro do próprio palácio, e atormentado com a ideia de vê-lo invadido (e ver-se algemado). Se a atuação de Tony Ramos (excelente) está sendo sempre destacada, deve-se prestar atenção à de Drica Moraes - que está ainda melhor como Alzira.

Mas  - nada contra Thiago Justino - Gregório mesmo é o Tony Tornado, de Agosto...

Comentários

  1. Ate hoje Getúlio e uma figura controversa, de varias facetas. A biografia de Lira Netto em 3 vols (2 já publicados) disponível para o Kindle na amazon.br parece-nos o melhor estudo já publicado sobre o pai dos pobres, avo do Lula. E.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n