Pular para o conteúdo principal

O romance inacabado de Sofia Stern, de Ronaldo Wrobel




Mas eu não estava tão surpreso assim. Vovó andava esquisita ultimamente. Confundia nomes, esquecia coisas, deixava a janela aberta, a luz acesa, interrompia frases. Já não atendi ao telefone e expulsava visitas. Às vezes tagarelava em alemão ou contava piadas que não eram de seu feitio. Outro dia conseguira se perder na rua onde morava há setenta anos. No último aniversário, recusara-se a soprar as velas:

- Sofia morreu.

- Você está vivíssima, vovó! Que história é essa? 

Ronaldo (o personagem) é advogado (como o autor) recebe um telefonema da Alemanha, sobre uma certa caixa de joias perdida antes da guerra e que pertenceria a Sofia Stern. Como sua avó. Interessado nas histórias que sempre ouviu, Ronaldo sabe que sua avó não tem a memória de antes. E fica sabendo de sua amizade com uma certa Klara Hansen - que teria morrido em Hamburgo.

Muito bom esse O romance inacabado de Sofia Stern, de Ronaldo Wrobel, fruto de pesquisa histórica e capacidade de contar uma boa história, que foge dos lugares comuns dos romances ambientados na Segunda Guerra e sobre o nazismo - a resistência alemã a Hitler é assunto pouco explorado lá fora e, aqui então, menos ainda. Wrobel recua até 1933, quando se inicia essa amizade - simultaneamente com a catástrofe nazista.

 E, afinal, quem exatamente era sua avó?

Sofia mora, hoje, em Copacabana. Ronaldo, por sua vez, estranha o fato de que pouco se comenta, em sua família, da história da avó. E, evidentemente, há uma razão para esse silêncio, o que só é completamente revelado nas últimas páginas. Outro ponto para o autor, que consegue criar um thriller como não se costuma ver com frequência na literatura brasileira.

Livro que, certamente, convida à leitura de outro do mesmo autor, Traduzindo Hannah, que pretendo ler em breve.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O conto da semana, de Italo Calvino

O conto da semana é novamente de Calvino – Quem se contenta – e integra Um General na Biblioteca : Havia um país em que tudo era proibido. Ora, como a única coisa não-proibida era o jogo de bilharda, os súditos se reuniam em certos campos que ficavam atrás da aldeia e ali, jogando bilharda, passavam os dias. E como as proibições tinham vindo paulatinamente, sempre por motivos justificados, não havia ninguém que pudesse reclamar ou que não soubesse se adaptar. Passaram-se os anos. Um dia, os condestáveis viram que não havia mais razão para que tudo fosse proibido e enviaram mensageiros para avisar os súditos que podiam fazer o que quisessem. Os mensageiros foram àqueles lugares onde os súditos costumavam se reunir. - Saibam – anunciaram – que nada mais é proibido. Eles continuaram a jogar bilharda. - Entenderam? – os mensageiros insistiram – Vocês estão livres para fazerem o que quiserem. - Muito bem – responderam os súditos – Nós jogamos bilharda. Os mensagei...

Conto da semana, de Jorge Luis Borges - Episódio do Inimigo

Voltamos a Borges. Este curto Episódio do Inimigo está no 2º volume das Obras Completas editadas pela Globo. É um bom método para se livrar de inimigos: Tantos anos fugindo e esperando e agora o inimigo estava na minha casa. Da janela o vi subir penosamente pelo áspero caminho do cerro. Ajudava-se com um bastão, com o torpe bastão em suas velhas mãos não podia ser uma arma, e sim um báculo. Custou-me perceber o que esperava: a batida fraca na porta. Fitei-o, não sem nostalgia, meus manuscritos, o rascunho interrompido e o tratado de Artemidoro sobre os gregos. Outro dia perdido, pensei. Tive de forcejar com a chave. Temi que o homem desmoronasse, mas deu alguns passos incertos, soltou o bastão, que não voltei a ver, e caiu em minha cama, rendido. Minha ansiedade o imaginara muitas vezes, mas só então notei que se parecia de modo quase fraternal, com o último retrato de Lincoln. Deviam ser quatro da tarde. Inclinei-me sobre ele para que me ouvisse. - Pensamos que os anos pa...

A Magna Carta, o Rei João e Robin Hood

É claro que o rei João não se ajoelhou aos pés de Robin Hood, mas é interessante lembrar hoje, dia 15 de junho, quando a Magna Carta completa 800 anos, a ligação entre a ficção e a História, na criação do que pode ser considerado o mais importante documento da democracia. João Sem-Terra. John Lackland. Nasceu em Oxford, 1166, o quarto filho de Henrique II, o que lhe custou toda possibilidade de receber uma herança - daí seu apelido. Quando o irmão Ricardo (Coração de Leão) assume o trono, em 1189, recebe mais um golpe e, obviamente, irá fazer de tudo para tomar o poder. Em 1199, Ricardo é morto e João, finalmente, torna-se rei. Para custear as guerras, Ricardo aumentou drasticamente os impostos a um nível inédito na Inglaterra. Para piorar, ao retornar de uma Cruzada, foi feito prisioneiro dos alemães. Há quem diga que o resgate cobrado (e pago) seria equivalente a 2 bilhões de libras. Na época de João, o cofre estava vazio, mas as demandas, explodindo como n...